Texto publicado originalmente no jornal Perspectiva. Edição 271, agosto/2017.
Também no site www.jornalperspectiva.com.br
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Luiz Carlos Ferraz
Após
peregrinar por seis itinerários diferentes do Caminho de Santiago de Compostela
(*), fui inspirado a peregrinar, em junho passado, uma rota tangencial do
tradicional Caminho cristão: durante cinco dias percorri cerca de 70
quilômetros do Caminho Lebaniego, de San Vicente de la Barquera ao Monastério
Santo Toríbio de Liébana, na Comunidade Autônoma da Cantábria, no Norte da
Espanha.
O
Monastério está localizado aos pés do Maciço Central dos Picos de Europa, na
Cordilheira Cantábrica, e guarda a “lignum crucis”: o maior pedaço da cruz de
Jesus Cristo, referente ao braço esquerdo, que Toríbio (402-480) trouxe de sua
peregrinação a Jerusalém no século X.
A datação
da madeira foi feita por carbono 14 e revelou que é da espécie Cupressus
sempervivens L., nativa da Palestina e da época de Jesus. No Monastério, a
“lignum crucis” é exibida dentro de um relicário de prata dourada em forma de
cruz, confeccionado em 1679 numa oficina de Valladolid. Ela permanece guardada
numa capela abobadada de estilo barroco, projetada em 1705.
Até 21 de
abril de 2018 o Caminho Lebaniego estará comemorando seu 73º Ano Jubilar – em
obediência a bula do Papa Júlio II, de 23 de setembro de 1512. É Ano Jubilar
toda vez que o dia dedicado ao Santo, 16 de abril, cai em domingo. E, nesta
circunstância, a Porta do Perdão do Monastério permanece aberta, abençoando os
peregrinos com indulgência plenária, ou o perdão dos pecados.
O peregrino diante da Porta do Perdão do
Monastério Santo Toríbio de Liébana
“Lignum crucis”: a madeira da cruz de Jesus Cristo
Cinco
rotas fazem parte do Caminho Lebaniego. Elas se entrelaçam com dois Caminhos de
Santiago, do Norte e Francês, e daí vem a sua definição de rota tangencial.
Para peregriná-lo é importante atentar para a sinalização: enquanto o Caminho
de Santiago é marcado pelas flechas amarelas, o Lebaniego é identificado pela
cruz vermelha.
O
peregrino do Caminho do Norte, pode adotar o desvio a partir de San Vicente de
la Barquera, pela chamada rota Montanhesa. Afastando-se do litoral, serão cerca
de 70 quilômetros pela Cordilheira Cantábrica, com belas paisagens e uma vista
estupenda dos Picos de Europa. Pode também iniciar em Llanes, ainda no Caminho
do Norte. Já o peregrino do Caminho Francês, o mais famoso dos itinerários que
levam a Compostela, tem à disposição outras três rotas. A mais famosa é denominada
Vadiniense, com desvio em Mansilla de las Mulas, e possui cerca de 151
quilômetros até o Monastério.
Naturamente,
é possível utilizar as rotas tangenciais para venerar a Lignum crucis e
atravessar do Caminho do Norte para o Francês e vice-versa e continuar a
peregrinação até Santiago de Compostela, onde na cripta da Catedral estão
guardadas as relíquias do Apóstolo de Jesus, Tiago Maior.
Capturei o
conceito de rota tangencial quando escrevia “Busca sem fim”, o terceiro livro
da trilogia Pedras do Caminho, que trata de minha peregrinação pelo Caminho
Aragonês a Santiago de Compostela. Sem ter a plena noção que estava adotando
uma rota tangencial, logo após Jaca deixei o itinerário tradicional para
alcançar Atarés e chegar ao Monastério San Juan de la Peña. O lugar é mágico e
sua tradição afirma que abrigou o Santo Graal e as relíquias de São Indalécio,
discípulo de Santiago e um dos Sete Varões Apostólicos.
Este é o
trecho de “Busca sem fim”, no qual a concepção é explicada pelo escritor
espanhol Bizén d’o Rio Martínez, numa tradução livre:
“A crença
na eficácia da intercessão dos santos para o perdão dos pecados foi algo
generalizado que se arraigou lentamente, fazendo que, imperceptivelmente, à
peregrinação com um objetivo específico, ou seja, Santiago de Compostela, fosse
adicionada uma rota tangencial, que levava o peregrino a visitar, às vezes por
devoção e outras por obrigação, como no caso dos prisioneiros, um famoso
monastério ou santuário, buscando a distância e a dificuldade de acesso...”.
Escolhi a
mais tradicional das rotas do Caminho Lebaniego, a Montanhesa, e a peregrinei
em cinco etapas. A primeira, de San Vicente de la Barquera a Sérdio; depois, de
Sérdio a Cades; em seguida, de Cades a Cicera; no quarto dia, de Cicera a
Potes; e finalmente, de Potes ao Monastério Santo Toríbio.
A rota
montanhesa atravessa os municípios de San Vicente de la Barquera, Val de San
Vicente, Herrerías, Lamasón, Peñarrubia, Cillórigo, Potes e Camaleño, e
favorece a viagem interior que todo peregrino busca e também oferece paisagens
naturais de extrema beleza, combinadas com valiosos exemplares do patrimônio
arquitetônico da Cantábria.
(*) Francês (2009), Português (2010), Aragonês
(2012), Sanabrês (2013), Primitivo (2015) e Inglês (2016). Também realizei a
travessia de Assis, na Itália, a Santiago de Compostela, perseguindo os passos
de Francisco em sua célebre peregrinação no século XIII. Porém, o trajeto foi
feito de trem, ônibus e carro.
Rota tangencial do Caminho de Santiago comemora Ano Jubilar
Sinais no Caminho Lebaniego: flecha e cruz na cor
vermelha
Trilha fluvial do rio Nansa: um dos belos trechos
do Caminho Lebaniego
Igreja mozárabe de Santa María de Lebeña: joia
pré-românica
Mais um livro?
Tudo
indica que a peregrinação pelo Caminho Lebaniego será detalhada em mais um
livro. Resgatei informações preciosas e as imagens são magníficas. Além disso,
minha busca pelos mistérios do Caminho de Santiago é permanente. Quanto mais
encontro respostas mais indagações surgem, o que cristaliza em mim a máxima
socrática de que o que sei é que nada sei.
Desde a
primeira peregrinação a Compostela persigo a história do Caminho de Santiago,
que compartilho por meio de livros. O fruto de uma série de peregrinações está
detalhado em sete livros, sendo o último deles, “Juntos no Caminho de Santiago,
as pedras do Caminho Inglês”, lançado em abril passado num encontro memorável
na Igreja Anglicana de Santos. Sobre as questões que ora me instigam refleti
com profundidade nos dias em que peregrinei o Caminho Lebaniego. Daquilo que
semeei e hei de colher espero ter o discernimento necessário para compartilhar
com alegria no próximo livro, colaborando para fomentar ainda mais a mística
sobre o Caminho de Santiago.
O Caminho!
O Caminho
de Santiago é uma famosa rota de peregrinação cristã e desde a descoberta do
sepulcro do Apóstolo Tiago Maior, no primeiro terço do século IX, em
Compostela, na Galícia, fomentou inúmeros itinerários de diferentes pontos da
Europa...
Buen Camino!
#pedrasdocaminho