quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Perdão no Caminho Lebaniego!

Texto publicado originalmente no jornal Perspectiva. Edição 271, agosto/2017.
Também no site www.jornalperspectiva.com.br

Luiz Carlos Ferraz

Após peregrinar por seis itinerários diferentes do Caminho de Santiago de Compostela (*), fui inspirado a peregrinar, em junho passado, uma rota tangencial do tradicional Caminho cristão: durante cinco dias percorri cerca de 70 quilômetros do Caminho Lebaniego, de San Vicente de la Barquera ao Monastério Santo Toríbio de Liébana, na Comunidade Autônoma da Cantábria, no Norte da Espanha.
O Monastério está localizado aos pés do Maciço Central dos Picos de Europa, na Cordilheira Cantábrica, e guarda a “lignum crucis”: o maior pedaço da cruz de Jesus Cristo, referente ao braço esquerdo, que Toríbio (402-480) trouxe de sua peregrinação a Jerusalém no século X.
A datação da madeira foi feita por carbono 14 e revelou que é da espécie Cupressus sempervivens L., nativa da Palestina e da época de Jesus. No Monastério, a “lignum crucis” é exibida dentro de um relicário de prata dourada em forma de cruz, confeccionado em 1679 numa oficina de Valladolid. Ela permanece guardada numa capela abobadada de estilo barroco, projetada em 1705.
Até 21 de abril de 2018 o Caminho Lebaniego estará comemorando seu 73º Ano Jubilar – em obediência a bula do Papa Júlio II, de 23 de setembro de 1512. É Ano Jubilar toda vez que o dia dedicado ao Santo, 16 de abril, cai em domingo. E, nesta circunstância, a Porta do Perdão do Monastério permanece aberta, abençoando os peregrinos com indulgência plenária, ou o perdão dos pecados.

O peregrino diante da Porta do Perdão do Monastério Santo Toríbio de Liébana

 
“Lignum crucis”: a madeira da cruz de Jesus Cristo

 Cinco rotas fazem parte do Caminho Lebaniego. Elas se entrelaçam com dois Caminhos de Santiago, do Norte e Francês, e daí vem a sua definição de rota tangencial. Para peregriná-lo é importante atentar para a sinalização: enquanto o Caminho de Santiago é marcado pelas flechas amarelas, o Lebaniego é identificado pela cruz vermelha.
O peregrino do Caminho do Norte, pode adotar o desvio a partir de San Vicente de la Barquera, pela chamada rota Montanhesa. Afastando-se do litoral, serão cerca de 70 quilômetros pela Cordilheira Cantábrica, com belas paisagens e uma vista estupenda dos Picos de Europa. Pode também iniciar em Llanes, ainda no Caminho do Norte. Já o peregrino do Caminho Francês, o mais famoso dos itinerários que levam a Compostela, tem à disposição outras três rotas. A mais famosa é denominada Vadiniense, com desvio em Mansilla de las Mulas, e possui cerca de 151 quilômetros até o Monastério.
Naturamente, é possível utilizar as rotas tangenciais para venerar a Lignum crucis e atravessar do Caminho do Norte para o Francês e vice-versa e continuar a peregrinação até Santiago de Compostela, onde na cripta da Catedral estão guardadas as relíquias do Apóstolo de Jesus, Tiago Maior.
Capturei o conceito de rota tangencial quando escrevia “Busca sem fim”, o terceiro livro da trilogia Pedras do Caminho, que trata de minha peregrinação pelo Caminho Aragonês a Santiago de Compostela. Sem ter a plena noção que estava adotando uma rota tangencial, logo após Jaca deixei o itinerário tradicional para alcançar Atarés e chegar ao Monastério San Juan de la Peña. O lugar é mágico e sua tradição afirma que abrigou o Santo Graal e as relíquias de São Indalécio, discípulo de Santiago e um dos Sete Varões Apostólicos.
Este é o trecho de “Busca sem fim”, no qual a concepção é explicada pelo escritor espanhol Bizén d’o Rio Martínez, numa tradução livre:
“A crença na eficácia da intercessão dos santos para o perdão dos pecados foi algo generalizado que se arraigou lentamente, fazendo que, imperceptivelmente, à peregrinação com um objetivo específico, ou seja, Santiago de Compostela, fosse adicionada uma rota tangencial, que levava o peregrino a visitar, às vezes por devoção e outras por obrigação, como no caso dos prisioneiros, um famoso monastério ou santuário, buscando a distância e a dificuldade de acesso...”.
Escolhi a mais tradicional das rotas do Caminho Lebaniego, a Montanhesa, e a peregrinei em cinco etapas. A primeira, de San Vicente de la Barquera a Sérdio; depois, de Sérdio a Cades; em seguida, de Cades a Cicera; no quarto dia, de Cicera a Potes; e finalmente, de Potes ao Monastério Santo Toríbio.
A rota montanhesa atravessa os municípios de San Vicente de la Barquera, Val de San Vicente, Herrerías, Lamasón, Peñarrubia, Cillórigo, Potes e Camaleño, e favorece a viagem interior que todo peregrino busca e também oferece paisagens naturais de extrema beleza, combinadas com valiosos exemplares do patrimônio arquitetônico da Cantábria.
(*) Francês (2009), Português (2010), Aragonês (2012), Sanabrês (2013), Primitivo (2015) e Inglês (2016). Também realizei a travessia de Assis, na Itália, a Santiago de Compostela, perseguindo os passos de Francisco em sua célebre peregrinação no século XIII. Porém, o trajeto foi feito de trem, ônibus e carro.

Rota tangencial do Caminho de Santiago comemora Ano Jubilar

Sinais no Caminho Lebaniego: flecha e cruz na cor vermelha

Trilha fluvial do rio Nansa: um dos belos trechos do Caminho Lebaniego

Igreja mozárabe de Santa María de Lebeña: joia pré-românica

Mais um livro?

Tudo indica que a peregrinação pelo Caminho Lebaniego será detalhada em mais um livro. Resgatei informações preciosas e as imagens são magníficas. Além disso, minha busca pelos mistérios do Caminho de Santiago é permanente. Quanto mais encontro respostas mais indagações surgem, o que cristaliza em mim a máxima socrática de que o que sei é que nada sei.
Desde a primeira peregrinação a Compostela persigo a história do Caminho de Santiago, que compartilho por meio de livros. O fruto de uma série de peregrinações está detalhado em sete livros, sendo o último deles, “Juntos no Caminho de Santiago, as pedras do Caminho Inglês”, lançado em abril passado num encontro memorável na Igreja Anglicana de Santos. Sobre as questões que ora me instigam refleti com profundidade nos dias em que peregrinei o Caminho Lebaniego. Daquilo que semeei e hei de colher espero ter o discernimento necessário para compartilhar com alegria no próximo livro, colaborando para fomentar ainda mais a mística sobre o Caminho de Santiago.

O Caminho!

O Caminho de Santiago é uma famosa rota de peregrinação cristã e desde a descoberta do sepulcro do Apóstolo Tiago Maior, no primeiro terço do século IX, em Compostela, na Galícia, fomentou inúmeros itinerários de diferentes pontos da Europa...

Buen Camino!
#pedrasdocaminho

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